segunda-feira, 29 de agosto de 2011

DOM CASMURRO E A MODERNIDADE - O DISCURSO DO CORNO



Todas as histórias de amor terminam mal. Essa é a principal lição que o Realismo ensinou aos românticos. O idílio amoroso de nove entre dez estrelas de cinema, digo, de nove entre dez casais de namorados, aquele que termina com a frase mais ridícula que a literatura costuma usar nessas ocasiões, "e eles foram felizes para sempre", é clássico auto−engano, sonho de que a felicidade está ao alcance de qualquer um. No imaginário social, a felicidade é presente divino, basta abrir os olhos e colher flores no jardim da vida. Assim, na boa, sem custos, sem encargos, sem a luta diária que compõe as negociações de um relacionamento afetivo. Em lugar disso, em lugar desse desgaste, quem está apaixonado costuma despejar milhares de "eu te amo" sobre os ouvidos das vítimas, também conhecidas como trouxas−de−plantão. Muitas vezes essas promessas de bem−querer são pronunciadas em voz alta, esquecendo que, se o amor é cego, os vizinhos não são surdos. Em outras palavras, é com profundo pesar que a literatura comunica a quem de direito, e algum interesse possa ter, que a vida a dois é o formidável enterro da última quimera, como dizia o poeta. E esse é um ponto pacífico na questão. Perdão, houve um equívoco. Pacífico é o oceano, a vida amorosa é guerra − em cima ou embaixo dos lençóis, antes ou depois dos gemidos de dor e prazer. Basta lembrar que algumas das mais famosas histórias amorosas, Romeu e Julieta ou Páris e Helena (os causadores da guerra de Tróia), por exemplo, não tiveram happy end. Isto é, tiveram a punição clássica para quem vive caminhando nas nuvens, esquecendo que as estradas são esburacadas. Na "vida real", basta o menor descuido e... Catabum! Além da perna quebrada, imenso hematoma no ego. E, no caso específico do hematoma, a história não melhora com pinceladas de mertiolate, assopros carinhosos e alguma observação trivial, "Quando casar sara", porque não vai haver casamento, e se houver, se houver não há de cumprir com objetivo a que se propõe, basta lembrar que no meio de qualquer briga sempre existe o risco de iniciar algum campeonato de arremesso de louça na cabeça do Outro, e isso posto não mais será possível viver contemplando o remendo, a visão da fratura é agônica, insuportavelmente dolorida. 
   


Joaquim Maria Machado de Assis (1839 − 1908) também tinha esse entendimento. Influenciado em boa medida pelo realismo nu e cru de Gustave Flaubert e Eça de Queirós (que ele, Machado, dizia não gostar), também quis ele, Machado, contar uma história das pancadas que sofre um coração amoroso. Como sugere Walter Benjamim, contar histórias sempre foi a arte de contá−las de novo. Naquela época, deitar com mulher casada, mais do que freqüentar prostitutas, era uma tara, perdão, mais uma vez escrevi a palavra errada, quis dizer tema, isso mesmo, um tema bastante freqüente na literatura daquela época, exemplos não faltam, O Primo Basílio e Os Maias, do Eça de Queirós, Madame Bovary, do Gustave Flaubert. Seguindo esse fluxo, a Machado também coube meter alguns ornamentos na cabeça do protagonista de sua narrativa, embora de maneira particular, puxando a brasa para sua sardinha, mostrando que o ciúme é a mola−mestra do equívoco, do transformar a paixão amorosa em pose e posse, objeto e obsessão. Silenciosamente, como se tivesse patas de gato, o ciúme é prova de competência na arte de estragar essa refeição que chamam de casamento, esquecendo que qualquer alimento só se torna palatável se for condimentado com sal, ervas finas e azeite de boa qualidade.  No entanto, antes que o leitor se engasgue com iguarias que não foram feitas para o seu paladar, posto que piloto de má sorte, não se navegam corações como os outros mares deste mundo, urge estabelecer algumas definições conceituais. Tomo como guia o Zuenir Ventura, que ensina o básico: Aos que pretendem empreender essa viagem, o autor pede que levem consigo, para o caso de se perderem, três distinções básicas: ciúmes é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem; inveja é não querer que o outro tenha.    


Dom Casmurro, romance manjado, publicado em 1899, desses que parecem ter como finalidade somente o atormentar estudantes do segundo grau e vestibulandos, é um ensaio anatômico sobre o ciúme. Machado de Assis não teve medo de enfiar na mão o bisturi e com ele abrir incisões no corpo do amor. A história narrada em primeira pessoa por Bento Santiago abrange quarenta anos. Inicia quando o narrador−personagem tinha quinze e o termina aos cinqüenta e cinco. O homem que recebeu dos desafetos a alcunha de Dom Casmurro é um ressentido, mas possui algum humor. A palavra casmurro caracteriza interessante auto−ironia, pois se de um lado significa alguém de maus bofes, sem humor, intratável, também pode ser entendida como calado, de pouca conversa, teimoso e obstinado. O título Dom estabelece um elemento de importância, um patamar superior, a diferença aflorando entre aqueles que deveriam ser iguais. Pois é, Dom Casmurro. Ou, de acordo com o desenrolar desta história, Bentinho, intimidades com o narrador, pois que ele mesmo não esconde esse diminutivo no trato geral do texto. Pois então que fique bem claro o básico: a história se desenvolve em torno dos desencontros entre namoradinhos e que, ao vago deslocar da areia na ampulheta, resulta em Bentinho pra cá, Escobar pra lá, Capitu no meio, o velho e tempestuoso triângulo amoroso.


Mas, antes que a confusão se estabeleça, cabe estabelecer ordem no enredo. Por trapaças da sorte, depois de se descobrir apaixonado por Capitolina Pádua, a Capitu, Bentinho não pode saborear mais do que alguns poucos roçar de lábios, visto que acabou condenado a ferros em seminário, paga de promessa feita por sua mãe quando nasceu. Lá conheceu Ezequiel de Sousa Escobar, um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugitivos, como as mãos, como os pés, como a fala, como tudo, que, embora fosse cerca de três anos mais velho que Bento, acabou por tornar−se o seu companheiro de todas as horas. Os bons e maus momentos foram compartilhados em perfeita comunhão. Apesar das poucas informações fornecidas pelo personagem−narrador (No seminário... Ah! Não vou contar o seminário, nem me bastaria a isso um capítulo. Não, senhor meu amigo; algum dia, sim, é possível que componha um abreviado do que ali vi e vivi, das pessoas que tratei, dos costumes, de todo o resto), há que se supor que não foram desabonadores os episódios que os uniram no seminário. Tanto que emergiram do purgatório, digo, respiraram o ar da liberdade ungidos com os santos óleos da teologia, conforme o pedantismo acaciano de José Dias. Enquanto ambos os dous, Bento e Escobar, estavam cumprindo pena no seminário, Capitu, pretextando cuidar de D. Glória, a mãe de Bentinho, que estava acamada, foi se acercando da enferma, criando intimidades, se fazendo necessária. E, obviamente, criando laços afetivos.   


Mais tempo passou, inclusive cerca de dois terços do romance, algumas histórias relatadas nessas cenas parecem ser do gênero "encher lingüiça", como se pode ver pelos casos do Panegírico de Santa Mônica, soneto e o enterro do Manduca. É uma lengalenga que parece não ter fim, recheada de divagações, citações bíblicas, causos mitológicos, anedotas sociais. Aos 16 anos, Bento e Escobar deixaram as portas do seminário para trás. Bento foi cursar leis, e aos 22 anos era Bacharel em Direito; Escobar, nessa época contando 25 anos, estava a negociar café e havia casado com Sacha, amiga de infância e de escola de Capitu.     


O destino não é só dramaturgo, é também o seu próprio contra−regras, isto é, designa a entrada das personagens em cena, dá−lhes as cartas e outros objetos, e executa dentro os sinais correspondentes ao dialogo, uma trovoada, um carro, um tiro, não se constrange de proclamar o narrador. E tudo isso se refere ao elementar. Enquanto algumas personagens desaparecem de cena, Bentinho e Capitu contraem núpcias. Nos dramas românticos, aqui caberia a frase "e foram felizes para sempre", frase que anestesia todas as miudezas que compõem um matrimônio, frase que sufoca o olhar assassino causado por tolha molhada deixada em cima da cama, pelo não levantar a tábua do vaso sanitário na hora do expelir um dos fluídos corporais. Obviamente, a narrativa não se detém nessas miudezas. O que afligia o dileto casal era a falta de herdeiro. Dois anos de união e nada. Há que se imaginar que o casal tenha suado no esforço de remediar essa carência. O texto é muito pudico em contar esses detalhes de cama, mesa e banho, mas para bom entendedor meia palavra basta. Escobar e Sancha, por sua vez, tinham uma filha. Alem disso, Escobar, ao que parece, também era vezeiro em aventuras extra−conjugais – não deu escândalo, comenta o narrador.


Eis que nasce, finalmente, o filho.

A minha alegria quando ele nasceu, não sei dizê−la; nunca a tive igual, nem creio que a possa haver idêntica, ou que de longe ou de perto se pareça com ela. Foi uma vertigem e uma loucura. Não cantava na rua por natural vergonha, nem em casa para não afligir Capitu convalescente.

O retrato da felicidade. Recebeu o pimpolho o nome de Ezequiel, homenagem ao amigo dileto. E o menino cresceu rápido, brincando de soldado, fazendo arruaças, alegrando o coração dos pais.      


Escobar, o amigo, com o passar dos anos, progrediu. Comprou casa nova, mais próxima do lugar onde moravam Bento e Capitu. Os amigos se tornam pródigos em visitas e refeições. Como estava escrito nas estrelas, um dia tudo acaba. E o princípio do fim se deu quando Escobar foi ao mar. Voltou cadáver. Afogado. No momento em que a alma do falecido estava sendo encomendada, Bentinho consegue perceber o que até então lhe era invisível:

Sancha quis despedir−se do marido, e o desespero daquele lance consternou a todos. Muitos homens choravam também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer−se a si mesma.  Consolava a outra, queria arrancá−la dali. A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...
As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela. Capitu enxugou−as depressa, olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou de carícias para a amiga, e quis levá−la; mas o cadáver parece que a retinha também. Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem as palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã.

Aquele enterro enterrou a ingenuidade. Bento tomado por sentimentos confusos e de difícil diagnóstico, entrou em transe. É verdade que fez discurso à tumba daquele que por muitos anos lhe foi o irmão que a família não lhe deu, mas também é verdade que foi ato maquinal, sem grandes arrufos, como se, em lugar das letras escritas no papel, estivesse a rever os fatos idos e vividos, como se algo o estivesse a corroer internamente, a certeza de que não era o amigo que estava sendo baixado à tumba, mas o comborço.


E isso se tornou mais intenso, como se fosse algo que até então estava submerso e finalmente veio à tona, quando começou a reparar em Ezequiel. Parecia−lhe ver, principalmente nos olhos do filho, as feições do amigo morto. Como o menino já tivesse idade para tanto, meteram−no em colégio interno, só voltava para casa nos finais de semana.

Ezequiel vivia agora mais fora da minha vista; mas a volta dele, ao fim das semanas, ou pelo descostume em que eu ficava, ou porque o tempo fosse andando e completando a semelhança, era a volta do Escobar mais vivo e ruidoso. Até a voz, dentro de pouco, já me parecia a mesma. Aos sábados, buscava não jantar em casa e só entrar quando ele estivesse dormindo; mas não escapava ao domingo, no gabinete, quando eu me achava entre jornais e autos. Ezequiel entrava turbulento, expansivo, cheio de riso e amor, porque o demo do pequeno cada vez morria mais por mim. Eu, a falar verdade, sentia agora uma aversão que mal podia disfarçar, tanto a ela como aos outros. Não podendo encobrir inteiramente esta disposição moral, cuidava de me não fazer encontradiço com ele, ou só o menos que pudesse; ora tinha trabalho que me obrigava a fechar o gabinete, ora saía ao domingo para ir passear pela cidade e arrabaldes o meu mal secreto.

Mal secreto. Dentro das palavras, veneno. E que foi sendo administrado homeopaticamente em Ezequiel. A relação pai e filho estava de malas prontas para o rompimento definitivo. Aos olhos pecaminosos de Bento, o menino era prova irrefutável de que as relações amorosas eram uma fraude. Fraude que envolvia o pai, a mãe, o filho, o casamento, a amizade – todos os valores sociais estavam diante do tribunal e as provas fornecidas pela acusação eram robustas, contundentes, irrefutáveis. Pensou Bento em suicídio, tanto que comprou em uma farmácia determinada substância. Não a tomou. Em vez disso, foi ao teatro. Estavam representando Otelo. A cena do lenço corroeu suas entranhas. Passou a noite a vagar pelas ruas do Rio de Janeiro, a vida sendo exposta pelo ciúme, pela dor.


Na manhã, embriagado por maus sentimentos, renega o filho. Em voz alta, enquanto abraça Ezequiel, como se fora juiz em processo de paternidade, pronuncia a sentença: Não, não, eu não sou teu pai! Capitu, que estava próxima, ficou lívida. Seguem−se os pedidos de explicação adequados a esse momento dramático.  Não os há. O que há é a ruptura. Acabou o casamento.

Palavra que estive a pique de crer que era vítima de uma grande ilusão, uma fantasmagoria de alucinado; mas a entrada repentina de Ezequiel, gritando: − Mamãe! Mamãe! É hora da missa! − restituiu−me à consciência da realidade. Capitu e eu, involuntariamente, olhamos para a fotografia de Escobar, e depois um para o outro. Desta vez a confusão dela fez−se confissão pura. Este era aquele; havia por força alguma fotografia de Escobar pequeno que seria o nosso pequeno Ezequiel. De boca, porem, não confessou nada; repetiu as últimas palavras, puxou o filho e saíram para a missa.

Eis a peça jurídica. Nada mais havia a tratar. O advogado havia vencido o marido. A pena foi cumprida de maneira educada: foram todos à Europa. Algum tempo depois, Bento retorna. Sozinho.

Como convém a execução de ópera, o espetáculo não termina antes da mulher gorda cantar. É a praxe, é a coda. Mortos todos os que trafegavam ao redor, eis que um dia, muitos anos depois, recebe Bento visita.

Ao entrar na sala, dei com um rapaz, de costas, mirando o busto de Massinissa, pintado na parede. Vim cautelosamente, e não fiz rumor. Não obstante, ouviu−me passos, e voltou−se depressa. conheceu−me pelos retratos e correu para mim. Não me mexi; era nem mais nem menos o meu antigo e jovem companheiro do seminário de São José, um pouco mais baixo, menos cheio de corpo e, salvo as cores, que eram vivas, o mesmo rosto do meu amigo. Trajava à moderna, naturalmente, e as maneiras eram diferentes, mas o aspecto geral reproduzia a pessoa morta. Era o próprio, o exato, o verdadeiro Escobar. Era o meu comborço, era o filho de seu pai.

Almoçaram, trocaram informações, estabeleceram pequenas intimidades. Seis meses depois, Ezequiel viajou, em aventuras arqueológicas. Morreu de febre tifóide em Jerusalém. Ao receber a notícia, Bento faz uma confissão: Apesar de tudo, jantei bem e fui ao teatro.


E assim, dessa maneira asséptica, sem grandes violências físicas, termina o romance. Para leitores mais contemporâneos, faltam cenas de sangue, faltam as cenas que freqüentam as manchetes dos piores jornais, aqueles jornais que todos olhamos de relance, assim como quem não quer nada e fica bem contente ao descobrir algum podre de algum conhecido. Não que se queira o mal do próximo, mas é uma delícia descobrir que fulano entrou pelo cano. Umas doses de Schadenfreude não fazem mal a ninguém, muito pelo contrário, aliviam as dores, permitem sorrisos de satisfação, a sensação de que a injustiça diminui.


Mas, há um engano em tudo isso, as idéias estão fora do lugar, como nos alertou Roberto Schwarz. Se há falta de sangue, sobra violência. Uma violência silenciosa, que causa mais estragos que pancadas. A alegação é de que, ao marido, cabe a prerrogativa de lavar a honra. Capitolina capitulou em exílio perpetuo – apesar de nunca haver confessado a falta que lhe foi imputada. Educado pelas regras do catolicismo inquisitório, Bentinho impõe os rituais da pantomima, o comportamento do marido enganado, o visível desconsolo de quem confiou e foi traído. Em nenhum momento admite que Nada há mais feio que dar pernas longuíssimas a idéias brevíssimas. Basta−lhe ver o filho para ser tomado por sentimento nefasto, por vontades de cometer atos impróprios por alguém civilizado.


A crítica literária brasileira e internacional ainda não emitiu juízo de valor sobre Dom Casmurro. Falta um ensaio definitivo. Os "verdadeiros" machadianos preferem estudar o Quincas Borba ou o Brás Cubas, que são textos escritos com a pena da galhofa e a tinta da melancolia. De qualquer maneira, cabe destacar que a fortuna critica de Dom Casmurro aumentou muito nos últimos anos. Ao lado dos escritos de Augusto Meyer e Lucia Miguel Pereira, surgiram varias teses interpretativas do romance. Em alguns desses estudos, prevalecem as perguntas clássicas sobre a suposta traição de Capitu. Traiu? Foi imaginação de Bento? Ezequiel parecia−se com Escobar? 


Mudou o rumo da conversa, o ensaio escrito por Helen Caldwell, (O Otelo brasileiro de Machado de Assis) que fez interessante comparação com Otelo, de Shakespeare. Bento, vítima de ciúme doentio, cria ao seu redor uma rede de conspiração que inexiste. O rosto de Ezequiel tem o mesmo valor de peça acusatório que o lenço teve para o Mouro de Veneza. Nos dias de hoje dir−se−ia que tratava de prova circunstancial, naqueles tempos era a condenação.
   

Outra guinada mais radical foi proposta por John Gledson (Por um novo Machado de Assis), quando insinua que, ao ver a semelhança de Ezequiel com Escobar, Bento percebeu que havia sido traído – mas não por Capitu. Por Escobar. A sua frustração não se dá pela esposa ter compartilhado cama com Escobar, mas sim por Escobar, o amigo dileto, ter trocado suores e humores com Capitu. Sentiu−se excluído. Talvez saudades do tempo de seminário. Não sei. A suspeita, assim como a traição de Capitu, é difícil de provar.

De qualquer maneira, diante do ponto básico, se houve ou não traição, o que predomina é o depoimento de Bento. É o relato unilateral do marido que se imagina enganado - e que não permite o contraditório. Em momento algum Capitu consegue se fazer ouvir. Diante da acusação, cala. Ou é amordaçada. À Capitu falta voz.

Bibliografia básica

BENJAMIN, Walter. O narrador (considerações sobre a obra de Nikolai Leskov) In: BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas (magia e técnica, arte e política). São Paulo: Brasiliense, 1985. v.1.  
CALDWELL, Helen. O Otelo brasileiro de Machado de Assis. Cotia: Ateliê, 2002.
GLEDSON, John. Machado de Assis: Impostura e Realismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
__________. Por um novo Machado de Assis. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas. 4. ed. São Paulo: Livraria Duas Cidades,  1992.
__________. Duas meninas. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
VENTURA, Zuenir. Mal secreto. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.


(Texto escrito especialmente para FACVEST (LAGES, SC) e apresentado em 19 de agosto de 2011)